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Se uma pessoa sofre o pequeno acidente genético que causa a síndrome de Williams, terá de conviver não só com algumas deficiências de conhecimento bastante convencionais -problemas de percepção espacial e numérica como também com um conjunto estranho de traços designados como “fenótipo social de Williams” ou, em termos menos formais, “personalidade Williams”: um amor pela convivência e pela conversação que se combina, em muitos casos de maneira incômoda, com baixa compreensão da dinâmica social e falta de inibições sociais. A combinação resulta em certos encontros memoráveis.

Oliver Sacks, o neurologista e escritor, certa vez observou uma menina de oito anos especialmente charmosa e portadora da personalidade Williams. A menina estava em visita a Sacks, no hotel em que estava hospedado, e decidiu puxar conversa com os convidados de uma festa de casamento no salão. “Eu temo que ela tenha quebrado o ritmo do casamento”, disse Sacks.

A história é típica dos pacientes portadores da síndrome de Williams, que nasce de um acidente genético durante a meiose, quando a dupla espiral do DNA se divide em duas porções separadas, as quais, por sua vez, terminam por se tornar material genético no óvulo e no espermatozóide. Normalmente, as duas porções se separam sem problemas, como as duas metades de um zíper que se abre. Mas, no caso da síndrome de Williams, cerca de 25 dentes de um dos lados do zíper -25 genes entre os 30 mil presentes no óvulo ou espermatozóide- se rompem durante o processo.

Quando essa metade do zíper se une à metade oposta, vinda da outra pessoa envolvida na concepção de um novo bebê, a falta dos 25 dentes naquele segmento do DNA impede que os genes envolvidos realizem o trabalho que se espera deles.

As deficiências cognitivas resultantes se fazem sentir em especial no ramo do pensamento abstrato. Muitos pacientes de Williams têm um conceito de espaço tão vago que, mesmo na idade adulta, encontram dificuldades para montar quebra-cabeças com apenas seis peças, perdem-se com facilidade, desenham como se tivessem cinco anos de idade e encontram problemas para reproduzir formatos simples como um X ou um T usando bloquinhos de construção.

Poucos deles são capazes de manter em dia o saldo de suas contas bancárias. As deficiências causadas em geral reduzem em cerca de 35 pontos o QI que a pessoa teria herdado caso não tivesse o problema. Já que o QI médio é de 100, isso faz com que muitos dos pacientes de Williams tenham QIs da ordem dos 60 pontos. Ainda que alguns deles sejam capazes de obter e manter empregos simples, precisam de ajuda para administrar suas vidas.

Espírito de sociabilidade
O baixo QI, porém, ignora dois traços que definem a síndrome de maneira mais distinta do que qualquer déficit: um exuberante espírito de sociabilidade e capacidades verbais quase normais. Os pacientes de Williams falam muito e falam com quase qualquer pessoa que encontrem. Parece lhes faltar qualquer temor social.

De fato, varreduras magnéticas de seus cérebros demonstraram que o principal processador de medo do cérebro, a amídala cerebral, que na maioria de nós demonstra atividade acelerada quando vemos rostos zangados ou preocupados, não demonstra reação quando o paciente de Williams vê rostos com esse tipo de expressão. É como se todos os rostos que vissem expressassem amabilidade.

Os pacientes de Williams tendem a carecer não só de temor social mas de agilidade social. Eles não conseguem identificar vários dos significados, maquinações, idéias e intenções que muitos de nós inferimos com base em expressões faciais, linguagem corporal, contexto e uso de clichês de linguagem.

Novas pesquisas
Depois de passar quase três décadas ignorada, a síndrome de Williams -identificada inicialmente em 1961 pelo cardiologista J.C.P. Williams, da Nova Zelândia- recentemente se tornou um dos distúrbios de desenvolvimento neurológico mais pesquisados, logo abaixo do autismo, e vem produzindo percepções ainda mais interessantes. O autismo, para começar, é um distúrbio de espectro muito mais diversificado, com fronteiras mal definidas, desprovido de mecanismo identificado e de base genética reconhecida. A síndrome de Williams, em contraste, deriva de causa genética conhecida e produz um conjunto previsível de traços e comportamentos.

O trabalho de Julie Korenberg, neurogeneticista do Centro Médico Cedars-Sinai e da Universidade da Califórnia e pesquisadora que ajudou a definir o acidente genético causador da síndrome, é parte do diversificado esforço de pesquisa sobre a síndrome que vem iluminando um dilema central da existência humana: para sobreviver, precisamos nos relacionar e trabalhar juntos, mas também precisamos competir com outras pessoas, para que não fiquemos para trás. Isso requer uma combinação bem calibrada de inteligência, astúcia, garra e esforço.

Se tivermos algum desses traços em dose insuficiente, seremos excluídos porque nosso desempenho é medíocre. Se tivermos um deles em excesso, podemos ser excluídos porque promovemos conluios e representamos uma ameaça. Onde fica o ponto de equilíbrio? Uma resposta parcial pode ser encontrada na mistura de capacidades, graças e deficiências que a síndrome de Williams exibe.

Casos raros
A raridade da síndrome de Williams a torna obscura. Ela atinge uma em cerca de 7,5 mil pessoas, ante uma em 150 para o autismo ou uma em 800 para a síndrome de Down. A menos que apresentassem os problemas cardiovasculares que também distinguem a síndrome (derivados da ausência do gene que cria vasos sangüíneos, válvulas cardíacas e outros tecidos elásticos e que ainda hoje limitam a 50 anos a expectativa de vida de um paciente de Williams), os portadores da síndrome costumavam ser considerados “retardados mentais”.

Isso terminou no final dos anos 1980, quando alguns pesquisadores no campo da neurociência cognitiva, que começava a ser desenvolvido, passaram a estudar a síndrome. Entre os mais dedicados estava Ursula Bellugi, diretora do Laboratório de Neurociência Cognitiva do Instituto Salk de Estudos Biológicos, na Califórnia. Bellugi, que se especializou na neurobiologia da linguagem, foi atraída pelo talento lingüístico que muitos dos paciente s de Williams exibiam apesar dos sérios problemas cognitivos. O primeiro que ela conheceu lhe foi encaminhado pelo lingüista Noam Chomsky. “A mãe daquela adolescente mais tarde me apresentou a dois outros adolescentes que também tinham a síndrome”, conta Bellugi. “Eu não precisei conversar muito com eles antes de perceber que havia algo de especial. Eles sofriam de grandes déficits cognitivos, mas conversavam com ardor, animação, de maneira muito colorida”.

Bellugi descobriu que essa fantasiosa verbosidade vinha acompanhada de uma afabilidade contagiante. Os psicólogos especializados em desenvolvimento classificam esse ímpeto social como “pulsão de afiliação”. Parecia claro, desde cedo, que os genes destruídos pela Williams, identificados definitivamente na metade dos anos 1990, reforçavam essa pulsão ou a deixavam inalterada. Pesquisar sobre as bases genéticas do comportamento humano é tentar identificar o que nos define mais essencialmente. Uma das questões mais incômodas geradas pela pesquisa sobre a síndrome de Williams e pela tese sobre o cérebro social é determinar se o nosso comportamento social é propelido mais pela pulsão de conexão ou pela sanha de manipular essas conexões.

A inclinação tradicional, evidentemente, é distinguir o comportamento humano essencial pelas nossas capacidades mais “elevadas” e poderes cognitivos. Dominamos o planeta porque somos capazes de usar o pensamento abstrato, acumular e transmitir conhecimentos e manipular o meio e uns aos outros. Sob esses termos, nosso comportamento social nasce mais de cérebros grandes que de corações grandes. A dissociação de tantos elementos na síndrome de Williams -o cognitivo do conectivo, o medo social do medo não social, a tensão entre a pulsão de afiliação e a pulsão de manipulação- destaca a conexão delicada e essencial que existe entre eles em quase todos nós.

Mas as cisões da síndrome também identificam claramente qual dos dois fatores -carinho ou entendimento- oferece a contribuição mais vital. Pois, se a síndrome de Williams causa desvantagem ao gerar mais carinho que compreensão, reverter esse desequilíbrio gera um fenótipo muito mais problemático. Como define Robert Sapolsky, da Escola de Medicina da Universidade de Stanford, “os pacientes de Williams têm grande interesse, mas baixa competência. Já uma pessoa que tenha competência, mas não sinta empatia, emoção ou desejo merece que nome? Trata-se de um sociopata. Os sociopatas dominam as grandes teorias mentais. Mas não ligam para ninguém”.

Fonte: http://www.rotalhospitalar.com.br/noticias.asp?id=17