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ACHADOS NEURO-UROLÓGICOS DA SÍNDROME DE WILLIAMS (Retirado do site Scielo)

MARCOS TOBIAS-MACHADO*, CESAR MILTON MARINELLI*, PAULO KOUTI SAKURAMOTO**, RICARDO TITO SPINOLA**, MILTON BORRELLI JR.**, GERALDO DE CAMPOS FREIRE*** e MILTON BORRELLI****

RESUMO – A síndrome de Williams (SW) é doença relativamente rara, caracterizada por retardo mental e psicomotor de graus variados, facies característica, anomalias cardiovasculares, hipercalcemia e disfunções orgânicas múltiplas. Os achados urológicos desta entidade, apesar ocorrerem em até 40% dos casos, têm sido pouco abordados na literatura. Apresentamos o caso de uma paciente de 6 anos de idade, com diagnóstico de SW e que há 3 anos tem apresentado sintomas de polaciúria e urge-incontinência. A investigação revelou divertículos vesicais e hiperatividade detrusora, tratada com sucesso com oxibutimina. Ressaltamos a importância da investigação urológica, descrevemos os principais achados e discutimos a fisiopatologia e a abordagem terapêutica, a qual permite melhora das condições clínicas e sociais desses pacientes.

Em 1932, Lightwood1 foi o primeiro a descrever o que chamou de hipercalcemia idiopática da infância, levando a retardo de desenvolvimento neuropsicomotor. Em 1951, Fanconi2 apresentou suas observações em crianças com hipercalcemia, deficit pôndero-estatural, retardo mental, osteoesclerose cranial e facies típica. Certamente, os estudos de maior importânica foram os de Williams em 1961, que somou as características descritas previamente à descrição de anomalias cardiovasculares3. Chapman e col.4 determinaram os critérios diagnósticos que são seguidos pela “Williams’ syndrome Clinic of Children’s Hospital” – Boston, os quais incluem a característica facial típica dos duendes (fronte larga, cristas orbitais sobressaltadas, fendas palpebrais curtas, epicanto, abundância de tecido subcutâneo em torno dos olhos, nariz em sela com sulco nasolabial longo e lábios grossos) associada a uma ou mais das seguintes características:
  • 1) problemas cardiovasculares, especialmente a estenose aórtica supravalvar ou estenose da artéria pulmonar;
  • 2) dificuldade precoce de alimentação/irritabilidade;
  • 3) dificuldades de aprendizado;
  • 4) baixo desenvolvimento estatural;
  • 5) hipercalcemia;
  • 6) personalidade excessivamente social (“frequentador de coquetel”);
  • 7) perda dentária/má oclusão. Estudos recentes indicam que a maioria dos pacientes com a síndrome de Williams apresenta deleção do braço longo do cromossomo 7, com perda do gene responsável pela produção de elastina e talvez de outros genes vizinhos.

Os relatos relacionados à patologia urológica, apesar de significativos, têm sido pouco enfatizados na literatura. Procuramos elucidar os principais achados e ressaltar a importância da avaliação urológica nestes pacientes.

RELATO DE CASO Paciente de sexo feminino, 6 anos, com queixa de polaciúria (intervalo de micções 30 min – 1 hora), nictúria (3 vezes/noite), enurese noturna esporádica e episódios de urge-incontinência desde a idade de 3 anos. Nesse ínterim, apresentou 3 episódios de infecção do trato urinário (ITU), com boa resposta a antibioticoterapia. Como antecedentes pessoais, apresentava história de prematuridade, retardo no desenvolvimento psicomotor, dificuldade no aprendizado e tendência à dispersão. Foi relatada presença de estenose aórtica nos primeiros anos de vida com remissão do processo com o crescimento. Ao exame físico, apresentava facies característica . O exame cardiopulmonar e abdominal eram normais. O exame neurológico mostrava hiperreflexia nos membros inferiores, com reflexos bulbo cavernoso e do esfincter anal normais. Além disso, apresentava retardo e dificuldade para o aprendizado, preenchendo portanto os critérios diagnósticos para a SW. Da parte laboratorial, apresentava boa função renal (creatinina sérica 0,7 mg/dl e cálcio 9,0 mg/dl). A ultra-sonografia revelou rins de dimensões, forma e topografia normais, ausência de cálculos ou hidronefrose e bexiga normal. A uretrocistografia mostrou a presença de bexiga trabeculada com divertículos, sem refluxo vesico-ureteral. O exame urodinâmico identificou hiperatividade detrusora significativa (pressão 80 cmH20) durante o enchimento vesical, com desejo miccional inicial ao 50 ml, não foi realizado estudo miccional em virtude de grandes perdas na fase de enchimento. Foi instituída terapia com oxibutimina 10 mg/dia em 3 tomadas diárias, com aumento do intervalo entre as micções (2-3 horas) e melhora da nictúria (1 vez/noite). Esta abordagem foi plenamente eficaz, resultando controle clínico e significativa melhora no convívio social. Discussão A SW tem sido recentemente descrita em nosso meio. Apesar dos poucos relatos na literatura, a possibilidade de anomalias do sistema urinário em pacientes com SW é considerável. Os diversos achados e suas frequências, sumariados a partir das mais significativas séries7-11. Pankau e col.9 relataram a presença de 17,7 % de malformações renais em 130 pacientes comparados a 1,5 % da população geral. Concluiu que o risco de doença renal é 12-36 vezes maior nestas crianças. Ingelfinger e Newburger7 relataram anomalias estruturais renais em 41 % dos pacientes de uma clínica cardiológica. Prober10 encontrou incidência de alterações renais em 18 %, reforçando a necessidade de triagem da função renal e através de exame de imagem. Os primeiros a descrever a presença de divertículos vesicais foram Babbitt e col.12, que observaram também pequena capacidade vesical e perdas urinárias. Divertículos vesicais também foram descritos em outras doenças de tecido conectivo, como na síndrome de Ehlers-Danlos e na síndrome de Menkes13. Morris e col.8 documentaram a alta incidência de polaciúria e enurese em crianças, ITU, estenose de uretra, divertículos vesicais e refluxo vésico-ureteral em adultos. Coube a Schulman e col.11 determinar a prevalência dos sintomas urinários e das disfunções miccionais (32%), num estudo com 41 pacientes, utilizando, além dos métodos de imagem, o exame urodinâmico na avaliação de 5 pacientes com urge-incontinência. Destes, 4 apresentavam contrações não-inibidas, sendo que todos responderam satisfatoriamente ao uso de anticolinérgicos. A fisiopatologia dos achados anatômicos permance obscura. Sabe-se que na SW está presente a deleção do braço longo do cromossomo 7, o que alteraria a produção de elastina, importante substrato estrutural na formação da parede muscular da bexiga. Alguns autores acreditam que a presença de contrações não-inibidas associada a parede vesical enfraquecida possa justificar a ocorrência de divertículos vesicais e de sintomas miccionais. Ponderam também a possibilidade do distúrbio cognitivo destes pacientes poder contribuir para os sintomas urinários11. Uma hipótese que não foi discutida previamente é de lesão estrutural neurológica participar na gênese das contrações não-inibidas. Sabe-se que crianças com SW comumente têm distúrbios motores que, em idade precoce, surgem como hipotonia e progridem para hipertonia com a idade mais avançada. Alterações da motricidade epicrítica e das funções cognitivas e dos reflexos também estão presentes e evoluem com a idade4,14. Estudos utilizando ressonância magnética revelam padrão cerebral dismórfico, com volume cerebelar aumentado e possibilidade de associação com a malformação de Chiari, porém com função cerebelar geralmente preservada15. Nós especulamos se a presença de contrações não-inibidas, em virtude de alterações neurológicas estruturais centrais, em bexiga de estrutura histológica alterada pela falta de elastina, promove os principais achados anatômicos e funcionais nestes pacientes. Acreditamos que, a partir dos dados apresentados, a abordagem através de história miccional detalhada, avaliação da função renal, exame de urina tipo I e ultrassonografia de rins e vias urinárias sejam os testes iniciais a serem feitos em todos os pacientes. Naqueles casos com suspeita de lesão em trato alto, pode ser realizada, a critério clínico, a urografia excretora e a arteriografia (na suspeita de lesão estenótica arterial). Nos casos de suspeita de doença do trato inferior, a uretrocistograifa retrógrada miccional e o exame urodinâmico são de extrema importância no diagnóstico, permitindo conduta correta, especialmente nos casos de hiperatividade detrusora. Nestes casos, a melhora é surpreendente e gratificante, permitindo a estas crianças uma melhora clínica objetiva e ajuda no sentido de reduzir o estigma da alta frequência miccional e da incontinência, levando a adequado convívio social. REFERÊNCIAS: 1. Lightwood R. Case of dwarfism and calcinosis associated with widespread arterial degeneration. Arch Dis Child 1932;7:193-208. 2. Fanconi G. Über chronische Störungen der Calcium-und Phosphatstoffwechs in Kindersalter. Schweiz Med Wochenschr 1951;81:908-913. 3. Williams JCP, Barrah-Boyes BG, Lowe JP. Supravalvular aortic stenosis. Circulation 1961;24:1311-1318. 4. Chapman CA, du Plessis A, Pober BR. Neurologic findings in children and adults with Williams syndrome. J Child Neurol 1996;11:63-65. [ Medline ] 5. Ewart AR, Morris CA, Atkinoson D, et al. Hemizygosity at the elastin locus in a developmental disorder, Williams syndrome. Nat Genet 1993; 5:11-16. [ Medline ] 6. Sugayama SMM, Kim CA, Gonzalez CH. Síndrome de Williams. Pediatria São Paulo 1995;17:105-107. 7. Ingelfinger JR, Newburger JW. Spectrum of renal anomalies in patients with Williams syndrome. J Pediatr 1991;119:771-773. [ Medline ] 8. Morris CA, Densey SA, Leonard CO, Dilts C, Blackburn BL. Natural history of Williams syndrome: physical characteristcs. J Pediatr 1988;113:318-326. [ Medline ] 9. Pankau R, Partsch CJ, Winter M, Gosch A, Wessel A. Incidence and spectrum of renal abnormalities in Williams-Beuren syndrome. Am J Med Genet 1996;63:301-304. [ Medline ] 10. Prober BR, Lacro RV, Rice C, Mandell V, Teele RL. Renal findings in 40 individuals with Williams syndrome. Am J Med Genet 1993;46:271-274. 11. Shulman SL, Zderic S, Kaplan P. Increased prevalence of urinary symptoms and voiding dysfunction in Williams syndrome. J Pediatr 1996;129:466-469. 12. Babbitt BP, Dobbs J, Boedecker RA. Multiple bladder diverticula in Williams “elfin-facies” syndrome. Pediatr Radiol 1979;8:29-31. [ Medline ] 13. Boechat MI, Lebowitz RL. Diverticula of the bladder in children. Pediatr Radiol 1978;7:22-28. [ Medline ] 14. Bellugi V, Bihrle A, Jernigan T et al. Neuropsychological, neurological and neuroanatomical profile of Williams syndrome. Am J Med Genet 1993; 6:115-125. 15. Trauner DA, Bellugi V, Chase C. Neurologic features of Williams and Down syndromes. Pediatr Neurol 1989;5:166-168. [ Medline ] Estudo realizado no Servico de Urologia do Hospital Indianópolis (HI), São Paulo: *Residente de Urologia do HI; **Medico-Assistente de Urologia do HI; ***Professor Associado da Clinica Urológica do Hospital das Clinicas da Faculdade de Medicina da USP e Chefe de Equipe do HI; ****Professor Titular de Urologia da Faculdade de Medicina do ABC e Chefe de Equipe do HI. Aceite: 19-maio-1998. Dr. Marcos Tobias Machado – Rua Oscar Freire,1546/ São Paulo SP – Brasil.