Conhecida como síndrome da simpatia, a síndrome de Williams-Beuren (SWB) é uma rara desordem genética, frequentemente não diagnosticada. Estima-se que no Brasil existam cerca de 25 mil pessoas com a doença, sem predomínio de etnia, gênero ou classe social. Contudo, a falta de conhecimento e o alto custo de exames específicos dificultam seu diagnóstico. Descrita pela primeira vez na década de 1960 pelos médicos J. C. P. Williams e A. J. Beuren, ela é causada pela perda de material genético (microdelação) em uma região específica do cromossomo 7, durante o desenvolvimento das células do embrião. Além da face característica, a pessoa com a síndrome apresenta malformações múltiplas e alterações cognitivas e comportamentais.
De acordo com o doutor em psicologia médica e coordenador do Laboratório de Neuropsicologia do Desenvolvimento da Universidade Federal de Minas Gerais Vítor Haase, os principais aspectos clínicos são variáveis, podendo ser somáticos ou psicológicos. No primeiro caso, as características mais comuns são baixa estatura, discreto inchaço em volta das pálpebras, nariz com ponta arrebitada, bochechas salientes, boca larga, lábios grossos, dentes pequenos, voz rouca e outras malformações associadas em diversos órgãos internos, que podem causar, entre outros, problemas cardíacos, renais, oftalmológicos e ortopédicos.
Do ponto de vista psicológico, a síndrome se caracteriza por manifestações cognitivas e comportamentais. Embora bastante característico, o perfil cognitivo é variável. “A maioria dos casos diagnosticados apresenta deficiência intelectual. Os que não são identificados, provavelmente, são aqueles em que não existe deficiência mental. Mas, normalmente, o desempenho cognitivo é discrepante, com algumas funções bem desenvolvidas e outras mais comprometidas”, afirma o especialista.
O comportamento social é descrito como hipersociabilidade. As pessoas com a síndrome de Williams-Beuren têm personalidade amigável, são afáveis, amistosas, sorridentes e tendem a focalizar as emoções positivas em detrimento das negativas. “Eles são fofos, carinhosos e se apegam com facilidade. Podem ser descritos como boas-praças. A convivência é muito agradável”, salienta o psicólogo. Mas a personalidade expansiva pode vir a ser uma preocupação a mais para a família, já que, muitas vezes, eles não conseguem perceber indícios de que alguém queira prejudicá-los. O problema se agrava com a dificuldade recorrente de diferenciar expressões faciais positivas e negativas.
FALANTES DEMAIS Embora sociáveis, as crianças com SWB tendem a ser solitárias e se relacionar mais com adultos, que apresentam maior condescendência em relação a elas, do que com pessoas da mesma faixa etária. Por serem muito falantes e, frequentemente, fixarem-se em assuntos específicos, essas crianças podem aborrecer os colegas de turma, o que as leva a serem discriminadas. O vocabulário é relativamente bom. Em contrapartida, eles têm dificuldades de leitura e em compreender aspectos mais complexos de comunicação e de integração social, como o reconhecimento e interpretação da linguagem figurativa. “Não compreendem ironia e metáforas e não têm facilidade de identificar emoções negativas e intenções hostis”, ressalta Vítor Haase.
Ainda de acordo com o psicólogo, do ponto de vista psiquiátrico, são frequentes os sintomas de hiperatividade e de ansiedade e, muitas vezes, restrição do foco de interesse. Outra característica relevante está relacionada com as limitações em matemática, mesmo para realizar operações simples, o que dificulta tarefas cotidianas como calcular troco em pequenas negociações comerciais. Também comum é o baixo desempenho em atividades relacionadas à cognição viso-espacial, como desenho e tarefas que exijam coordenação motora. Simultaneamente, as pessoas com SWB costumam ter inteligência verbal bem desenvolvida, o que lhes confere facilidade no aprendizado de idiomas, além de ótima memória e um talento musical impressionante, devido a uma sensibilidade auditiva.
Diagnóstico é clínico e com testes específicos
A síndrome de Williams-Beuren é genética e, na maioria das vezes, a alteração ocorre em um único filho de um casal, mas em casos raros, o pai ou a mãe podem ter uma forma leve, que pode não ter sido diagnosticada antes, ou alterações cromossômicas específicas sem sintomas, que predispõem o aparecimento da doença nos filhos. O risco para os filhos de um indivíduo com SWB é de 50%. Em geral, o diagnóstico é formulado a partir do quadro clínico, sendo posteriormente confirmado por exames laboratoriais.
De acordo com a geneticista e professora universitária Maria Raquel Carvalho, antes de o bebê nascer é possível suspeitar caso se verifique que há uma malformação cardíaca em ultrassonografia. “Entretanto, essa alteração ocorre também isoladamente, o que permite que a síndrome passe despercebida.” Mas, se a criança não apresentar a malformação cardíaca e se as características físicas não forem identificadas, o diagnóstico poderá ser feito posteriormente, quando ficar evidente o atraso do desenvolvimento psicomotor ou a deficiência intelectual. “A verdade é que a maioria dos diagnósticos é feita tardiamente, porque a SWB ainda é muito pouco conhecida entre os profissionais da saúde”, revela Maria Raquel.
Ainda segundo a médica, o diagnóstico pode ser feito em muitos laboratórios particulares, porém ainda não é oferecido pelo Sistema Único de Saúde (SUS). “Na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) estamos realizando o exame como parte de um projeto de pesquisa, no qual estudamos as dificuldades de aprendizado dos pacientes com SWB”, ressalta. O problema é que os custos para realização são altos e a baixa taxa de incidência, somada à falta de conhecimento e informação, dificultam o reconhecimento da síndrome. Foi o que ocorreu com a funcionária pública Regina Manini, mãe de Polyana, que só tomou conhecimento quando a filha completou 20 anos. “Fomos a vários médicos e era sempre o mesmo problema. Eles sabiam que algo estava errado, mas não conseguiam descobrir o que era.”
Atualmente com 26 anos, Polyana está alfabetizada e tem facilidade de comunicação e ótima memória, apesar das dificuldades com a matemática ainda serem perceptíveis. De acordo com Regina, o maior problema é a inclusão. “Não há espaços na sociedade onde as pessoas com a síndrome possam se encaixar. Faltam atividade de lazer e oportunidades de emprego”, lamenta.
Tratamento Embora não exista cura, são muitos os tratamentos que podem contribuir no desenvolvimento da crianças com SWB. A variedade e complexidade das alterações médicas exigem que os cuidados sejam feitos por uma equipe multidisciplinar, composta por especialistas familiarizados com a síndrome. Além de médicos, em geral, é necessário acompanhamento do quadro por psicólogos e terapeutas ocupacionais, uma vez que os pacientes apresentam um fenótipo cognitivo-comportamental característico. Outro aspecto importante é a educação inclusiva, para contribuir no convívio social, e a musicoterapia, já que a maioria tem apreço pelo ofício. “O acompanhamento clínico é fundamental para que seja feito o diagnóstico precoce de possíveis complicações”, alerta a médica Maria Raquel.
Referência em Minas Gerais
Com o objetivo de divulgar informações, bem como dar suporte aos familiares e contribuir no convívio e desenvolvimento das pessoas com a SWB, foi criada recentemente a Associação Mineira da Síndrome de Williams. A iniciativa partiu de Regina Manini e da terapeuta ocupacional Márcia Resende, que têm filhos com a síndrome. Atual presidente da associação, Márcia conta que a ideia é reunir famílias de todo o estado para discutir questões pertinentes à doença e pôr um fim à sensação de “ilha perdida”. “Meu filho ia para a escola e percebia que era diferente dos outros, mas não encontrava ninguém parecido. Pela primeira vez, ele está podendo conviver com pessoas que pensam e agem da mesma maneira que ele”, diz ela. O primeiro passo da associação é ajudar no diagnóstico. Em seguida, buscar pessoas com a síndrome e oferecer tratamento e possibilidades de lazer. “Para isso, precisamos reunir um número maior de familiares para reivindicar do poder público que as ações já existentes englobem os Williams também”, acrescenta. O contato com a Associação Mineira da Síndrome de Williams pode ser feito pelos telefones: (31) 3234-5647/ (31) 8409-5040.
Principais complicações » Além das alterações estruturais no coração, aumento da pressão arterial (hipertensão), às vezes já na infância.
» Hipercalcemia (aumento de cálcio no sangue), mais frequentemente no primeiro ano de vida, que se manifesta por irritabilidade, vômitos, constipação e tremores. O cálcio em excesso pode levar à alteração no metabolismo da vitamina D e acúmulo de cálcio no rim (nefrocalcinose).
» Meninos podem nascer com o orifício da uretra fora do lugar (hipospadia) ou os testículos não descidos para a bolsa escrotal (criptorquidia). Meninas podem ter acolamento dos lábios vaginais e puberdade precoce. Em ambos ao sexos, podem ocorrer malformações congênitas dos rins e bexiga, infecções, incontinência urinária (com dificuldade de deixar as fraldas) e enurese noturna (urinar na cama).
» Infecções de ouvido frequentes.
» Alterações de comportamento, ansiedade, déficit de atenção e hiperatividade.
» Atraso de desenvolvimento motor e de fala, dificuldade escolar, diminuição de visão espacial, que acarreta problemas para o aprendizado e coordenação.
» Estrabismo e erros de refração (miopia e outros).
» Problemas de postura (cifose, lordose) e limitação da movimentação de algumas articulações do corpo.
» Alterações nos intestinos e outros órgãos abdominais (diverticulite, diverticulose, pedras na vesícula, constipação crônica), hérnias.
» Problemas com anestesia.
Fonte: http://beneviani.blogspot.com.br/2013/06/williams-beuren-hipersociaveis-podem.html