Jéssica Nunes Herculano é apenas uma das inúmeras crianças que nasceram portadoras da Síndrome de Williams no Brasil. Trata-se de uma doença rara, que afeta um em cada 20 mil nascidos vivos. E foi graças à síndrome que sua mãe, Jô Nunes, fundou a Associação Brasileira de Síndrome de Williams (ABSW) e escreveu o recém-lançado livro “Mãe Coragem”. O objetivo, segundo Jô, é auxiliar as pessoas que são vítimas desta doença genética que causa imenso desconforto, às vezes, por simples falta de informação.
“Antes de saber o diagnóstico, passei muito tempo entrando e saindo de consultórios pediátricos, sem qualquer informação. Até o dia que quase perdi minha filha, que estava queimando com uma febre de 39,5 graus e acabava de ter uma parada cardíaca. Aos gritos, entrei pelo pronto socorro e a entreguei nas mãos de uma pediatra, que até hoje é minha amiga, e que sempre me diz: \’Naquele dia, você salvou a vida da sua filha\’.”
Jéssica, que acabou vindo a falecer aos 20 anos, e muitas outras crianças nascidas com a Síndrome de Williams costumam ser vítimas também de problemas cardíacos. De acordo com cirurgião cardiovascular pediátrico Ulisses Alexandre Croti, chefe do Serviço de Cardiologia e Cirurgia Cardiovascular Pediátrica, do Hospital da Criança, de Rio Preto, que há 12 anos corrigiu o primeiro coração infantil na cidade, é muito comum operar o coração destas crianças, que já nascem com algum tipo de malformação cardíaca.
Dentre as mais comuns, está a estenose aórtica supravalvar. “Opero com frequência casos assim, e elas ficam ótimas”, diz. Segundo a professora Eny Maria Goloni Bertollo, do Departamento de Biologia Molecular da Faculdade de Medicina de Rio Preto (Famerp), um dos indicadores para a presença da síndrome é o fato das crianças afetadas apresentarem um comportamento de ampla sociabilidade. “Elas interagem bem com outras pessoas, ou seja, são comunicativas e extrovertidas.
Têm uma sensibilidade aumentada ao ruído e boas habilidades musicais”, diz. Por outro lado, a especialista observa que em 75 % dos casos os pacientes com Williams apresentam retardo psicomotor, dismorfismo facial e um perfil cognitivo-comportamental específico. “Elas têm uma feição característica, com uma ponte nasal achatada e a ponta bulbosa, a boca grande e o lábio inferior volumoso. Além disso, têm as bochechas salientes, e podem apresentar inchaço em torno dos olhos, e a íris estrelada”, explica.
Eny, que também é pesquisadora da Unidade de Pesquisa em Genética e Biologia Molecular (Upgem), observa que, com o passar dos anos, a tendência é a face ficar mais estreita e as características mais grosseiras.
O perfil cognitivo é caracterizado por déficits visuais e espaciais, que contrastam com competências linguísticas relativamente bem preservadas. Ela esclarece, ainda, que há uma maior quantidade de cáries nesta população. “Por vezes, é associada a defeito na qualidade do esmalte dentário”, diz.
Mães dividem experiências
Em sua comovente história, a mãe de Jéssica relata inúmeras situações que vivenciou com a filha, na tentativa de que fosse aceita numa escola normal. Mas nem sempre obteve sucesso, e hoje sonha que os profissionais incumbidos de receber crianças especiais nas escolas se preparem melhor para lidar com as diferenças que muitos deles trazem.
“Treinar a autonomia de uma pessoa com deficiência não é tarefa fácil. Muitas vezes, temos que escolher entre o conforto de dar tudo na mão ou largar a situação cômoda, oferecendo as ferramentas para a independência”, diz. A página da ABSW numa rede social mantém quase 5 mil membros, e lá é possível encontrar relatos sensíveis de familiares que estão a cada dia conhecendo formas de vencer os limites que a Síndrome de Williams tenta impor a essas pessoas.
Em um depoimento comovente, Lilian Veronica Souza, mãe de Gabriele Sedrez, de 10 anos, afirma: “Toda mãe é especial pelo fato de ter gerado uma vida. Ser mãe de uma pessoa com deficiência não muda a intensidade do sentimento que se tem pelo filho. Como mães, não podemos nos acomodar, precisamos defendê-los em seus direitos e amá-los incondicionalmente.”
Outras alterações
Nos portadores da Síndrome de Williams, é comum encontrar alterações oftalmológicas, tais como estrabismo e/ou distúrbios de refração, em cerca de 40% das crianças. Já as malformações vasculares, como estenose aórtica, pulmonar ou estenose da artéria renal, podem predispor à hipertensão arterial renovascular, a partir do nascimento.
Assim como a hipercalcemia (nível elevado de cálcio no sangue) pode progredir para nefrocalcinose. O tratamento da hipertensão arterial requer uma combinação de tratamento farmacêutico com uma dieta saudável e estilo de vida. E a hipercalcemia deve ser tratada com uma dieta de restrição de cálcio. Além disso, a hipertensão arterial e a função renal necessitam de vigilância constante ao longo da vida.
Principais sinais
:: A face é bastante característica, com o aumento do volume da região das pálpebras, nariz com ponta arrebitada e lábios grossos :: Problemas de coração e vasos, onde se destaca a EVSA e a estenose de artéria pulmonar (estreitamento da artéria que leva o sangue para os pulmões) :: Dificuldade de alimentação nos primeiros meses de vida :: Atraso de desenvolvimento neuromotor/deficiência mental :: Atraso de crescimento, com baixa estatura na idade adulta :: Aumento do nível de cálcio no sangue (mais frequente no 1º ano de vida) :: Íris com padrão de estrela :: Ausência de alguns dentes, dentes pequenos e, às vezes, com mau fechamento das arcadas dentárias :: Voz rouca :: Personalidade amigável :: Aumento da sensibilidade ao som
Saiba mais
:: A Síndrome de Williams ou Williams-Beuren foi descrita pelo neozelandês J.C.P. Williams, em 1961, e pelo alemão A.J. Beuren, em 1962. Trata-se de uma doença genética decorrente da deleção de determinada região do cromossomo 7, o que acarreta a perda de diversos genes ali situados
:: Entre as principais manifestações desta doença estão a ocorrência de problemas cardíacos (estenose das artérias pulmonares e aórtica), alterações faciais tais como lábios espessos e nariz pequeno, hipercalcemia, e alterações comportamentais, associando dificuldade de aprendizado com hipersociabilidade
:: O desenvolvimento da linguagem se dá de forma adequada e mantém-se boa capacidade de comunicação. Estima-se que a Síndrome de Williams ocorra em um em cada 20 mil recém-nascidos vivos e, embora se trate de uma doença genética, a quase totalidade dos casos ocorre de forma esporádica, em decorrência de defeito que se estabelece na hora da formação do gameta, seja materno, seja paterno. Desta forma, o risco de repetição é muito baixo
Diferenciais
:: O portador da Síndrome de Williams nasce geralmente com baixo peso, tem dificuldade para se alimentar, costuma chorar muito e mostrar-se irritado. Desde o nascimento, o bebê já pode apresentar problemas cardíacos, mas os neurológicos muitas vezes são percebidos somente quando a criança é maior. O aspecto facial característico fica mais perceptível com o passar do tempo, sobretudo na presença de nariz pequeno e empinado, lábios cheios, dentes pequenos e sorriso freqüente.
Cecília Dionizio http://www.ihacomunicacao.com.br